Os dois lados ganham, mesmo quando o custo da hospedagem para um turista é zero

A americana Terri Pollard, que trabalha como voluntária nas competições de hóquei, no seu cantinho no Rio: uma barraca de camping dentro de uma “casa galpão” da Gamboa, compartilhada por seu morador, um designer – Custódio Coimbra

RIO – “Olá tudo bem? Por acaso não está precisando de um cozinheiro aí por uns dias? Sou um designer gráfico que sabe fazer um macarrão que óóó… Brincadeiras à parte, sou um viajante/trabalhador à procura de um lugar para ficar na Olimpíada :-)”. A mensagem chegou para a repórter via CouchSurfing, rede social onde gente do mundo todo oferece seu sofá para viajantes, enquanto estes podem buscar um cantinho para ficar. Sempre na base do 0800. Nestes dias olímpicos, a rede anda movimentada: há de voluntários a turistas como o gaúcho Cleber Eduardo, de 29 anos, o autor da mensagem acima, que vem para a “zoeira” fora das arenas gastando pouco e querendo fazer amigos.

Em tempos de preços surreais e também de festa na cidade, a melhor filosofia é compartilhar. Seja um sofá ou mesmo um jantar. Os dois lados saem ganhando, defendem os adeptos desse tipo de economia, já parte da cultura em outros países, especialmente europeus. Para essa tribo, o verbo comprar virou out.

A inglesa Chloe Miller, de 26 anos, surfará de sofá em sofá no Rio neste período de Olimpíada. Apaixonada pelo nosso futebol e por MPB, ela chegou à cidade há duas semanas, inicialmente com a ideia de atuar como voluntária em algum projeto em favelas. Na Inglaterra, trabalha com educação e tem grande interesse por temas ligados à justiça social. Uma turma antenada como Chloe desembarca no Rio com fome de experiências fora do circuito “turistão”, proporcionadas por sistemas de compartilhamento disponíveis na internet. Um dos endereços da inglesa por aqui fica no Flamengo, onde o consultor de TI Igor Landaeta Maia, de 35 anos, lhe ofereceu um confortável sofazão.

— Na vez que viajei sozinha sem usar o CouchSurfing, me senti muito solitária. O dinheiro que economizo em hospedagem usando a rede é grande, mas, se não fosse pelas pessoas que tenho oportunidade de encontrar, a viagem não seria tão legal — explica Chloe, que vem aproveitando o Rio ao lado de novos amigos. — Eu e Igor já pedalamos até a Praia de Ipanema, onde depois ficamos bebendo. Numa noite, eu saí com outra pessoa que conheci pelo CouchSurfing, que pagou tudo porque eu tinha deixado o dinheiro em casa. Então, cozinhei para ele como forma de retribuir.

A inglesa Chloe Miller: hospedagem 0800 – Custódio Coimbra
Sem cobrar nada dos hóspedes durante os Jogos, quando os preços de hostels chegam às nuvens, Igor diz que a sua atitude tem ganhos sim:

— O melhor é essa troca de cultura dentro da própria casa. Já hospedei gente de Hong Kong, Coreia do Sul e de quase todos os países da Europa. Acabei me tornando amigo e tenho vários lugares para ficar ao redor do mundo — comenta Igor, que dá uma checada nas referências das pessoas na rede antes de aceitá-las. — Todo mundo pergunta se tenho medo. Aqui no Brasil as pessoas são mais materialistas. Lá fora é mais comum, as pessoas têm mais cabeça aberta. E há formas de se proteger.

GALPÃO VIRA ACAMPAMENTO

O designer Paulo Pelá, de 45 anos, andava uma época meio sem grana e se sentindo sozinho. Foi quando teve o clique de colocar seu “galpão casa” — ele mora num prédio de três andares na Gamboa que antes era uma empresa de brindes — no Airbnb, comunidade de hospedagem alternativa. Seus “quartos” seguem bem o espírito do negócio: eles são, na verdade, barracas de camping montadas por ele dentro de casa. São sete vagas por dia (em cinco barracas), a uma média de R$ 70 por pessoa. Voluntária na Olimpíada, a professora americana Terri Pollard, de 53 anos, está “acampada” na casa de Paulo, que trabalha como designer para o megaevento.

O comissário de bordo e chef Ale Francês: em casa, na Urca, servirá banquetes para turistas dos Jogos – Custódio Coimbra
— Aqui me sinto segura e jovem — diz a bem-humorada americana, que vai atuar na equipe de cronometragem e pontuação do hóquei.

— Como as pessoas não conhecem muito a Gamboa, geralmente quem fica na minha casa é um pessoal mais descolado, das artes, como arquitetos, fotógrafos… — explica o anfitrião, que costuma sair com os hóspedes para fazer trilha e pegar uma praia. — Não é trabalho nenhum para mim.

DE CARONA PARA OS JOGOS

A profusão de ferramentas na internet mostra que há muito mais a ser compartilhado. E, com a previsão de quase um milhão de turistas na cidade neste período, é natural que essas plataformas estejam fervendo de gente quando o assunto é Rio de Janeiro. Para quem vem de outras cidades, um caminho para economizar é pegando ou dando carona. Contra os preços altos das passagens aéreas, o estudante de medicina Jorge Júnior, de 28 anos, morador de São Paulo, recorreu à economia colaborativa: ele, que tem ingressos para partidas de tênis dos Jogos, como para a final feminina, decidiu compartilhar sua viagem de carro na comunidade BlaBlaCar.

Para a vinda de São Paulo, no dia 12, já tem uma companhia, que marcou também carona para a volta, dois dias depois. Aliás, para o retorno, o Corsa já está cheio: um casal já reservou os dois lugares restantes. Cada um desembolsará R$ 70.

— Nem ônibus é esse preço. Acaba que não vou gastar quase nada com gasolina e ainda vou conhecer pessoas novas. O momento atual é de fechar a torneira. Fica bom para os dois lados: todos economizam e ainda se divertem — pondera ele, que ficará na casa de uma prima na Barra.

Já o administrador Guilherme Araújo, de 24 anos, morador de Botafogo, resolveu dividir seu carro, um Fiesta, que passava mais tempo parado na garagem. A reserva foi feita via rede de compartilhamento Fleety.

— Eu sempre fui muito adepto da economia colaborativa. Divido apartamento com amigos e trabalho numa empresa com essa ideia. Quando foi se aproximando a Olimpíada, vi que havia uma demanda grande por carros: uma reportagem dizia que as locadoras estavam com quase toda a frota alugada — conta ele, explicando que, além de ver o carro sendo útil a alguém, há a vantagem da renda extra. — Eu consigo pagar o IPVA e o seguro do carro com três dias de locação por mês num ano.

Até comida entra na roda. Entre um voo e outro, o comissário de bordo Alessandro Francês cultiva uma paixão em terra firme: a cozinha. Segundo colocado em um reality show comandado por Olivier Anquier no canal GNT, Ale é chef nas horas vagas e abre sua casa, na Urca, para almoços e jantares por meio do site EatWith, espécie de Airbnb da gastronomia. Antes mesmo de colocar datas e menus no portal para o período olímpico, foi procurado por um grupo de seis americanos seduzido pelos elogios ao chef deixados por seus comensais.

Um dos hits de Ale é a feijoada, servida após um passeio com o chef pela trilha do Morro da Urca e de uma parada na mureta para caipirinhas feitas por ele. Os americanos vão degustar todo esse tour, que deve incluir ainda bolinhos de tapioca de entrada, um Romeu e Julieta servido numa cuia de goiaba e cafezinho com madeleines ao final. O preço para cada um deve sair em torno de R$ 130.

— Amo essa brincadeira de mostrar o Rio. É positivo para a imagem da cidade ter uma pessoa abrindo sua casa. Faz o visitante pensar: será que o Rio é tão violento? Será que ninguém pode conviver com estranhos? — reflete ele, que deve reunir grupos diferentes para uma mesma refeição, já que a procura deve ser grande nos Jogos. — Uma vez, num jantar, recebi dois baianos, dois suecos, três colombianas e um casal americano. Alguns não falavam inglês, outros, espanhol. Mas todo mundo se entende. A língua universal é a comida.

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