Facilidade de uso do smartphone e formas de pagamento online mudaram o padrão de fazer negócios, o relacionamento entre as pessoas e entre elas e seus bens; na economia colaborativa, a experiência importa mais que a posse de um bem

 

Por Andrea Carneiro, de São Paulo

O Brasil acompanhou recentemente a polêmica envolvendo a liberação do uso do Uber em diversas cidades do país, com embates que chegaram a agressões físicas entre taxistas e motoristas do aplicativo – que coloca passageiros em contato com condutores profissionais ou amadores por meio da geolocalização dos smartphones, uma espécie de carona paga. Ao mesmo tempo, vimos crescer e chegar aos US$ 13 bilhões o valor de mercado do Airbnb, que conecta estranhos permitindo que compartilhem suas casas mediante um pagamento de uma taxa. Assim, qualquer um pode hospedar um turista.

As duas gigantes são as maiores representantes do conceito de economia colaborativa (ou compartilhada), que tem agitado a academia e mudado as formas de relacionamento entre as pessoas e delas com os seus bens. Em paralelo, fervilham nas grandes cidades ao redor do mundo aplicativos e soluções que aproximam as pessoas e permitem compartilhar bens, serviços e experiências.

 

 

Empresas que fazem parte do sistema de economia colaborativa

 

  1. Aloogie – Aplicativo que conecta quem precisa alugar um bem, com quem quer alugar. Tem como propósito diminuir o consumo desnecessário e gerar renda extra e economia na vida das pessoas, além de evitar o consumo desnecessário. Confira mais informações sobre o Aloogie.

 

  1. Vitacon – Investem no mercado imobiliário, desenvolvendo prédios com tecnologia e serviços, mobilidade urbana e economia compartilhada. Tem como objetivo reinventar a vida das pessoas nas regiões urbanas, gerando mais tempo.

 

  1. Aromeiazero – Desenvolve projetos sociais para melhorar o modo de vida das pessoas e das cidades através da bicicleta.

 

  1. Acupuntura Urbana –  Transformam espaços urbanos em comunidades.

 

 

Ideias Inovadoras de Economia Compartilhada

 

Nos Estados Unidos, a empresa Flight Car oferece uma opção aos estacionamentos dos aeroportos, alugando carros enquanto seus donos viajam e oferecendo em troca tratamento de estacionamento VIP. A intermediária se responsabiliza por problemas como roubos e danos. No mesmo país, o LendingClub é uma espécie de banco informal, em que pessoas comuns emprestam dinheiro a uma taxa menor do que a bancária. O Etsy oferece joias, móveis e acessórios de pessoas de vários lugares do mundo.

Aqui no Brasil, por meio do Home Bistro, amantes da gastronomia podem oferecer seu talento na cozinha para convidados especiais. A plataforma facilita a criação de eventos gastronômicos e oferece pagamento online. “É um canal de comunicação e divulgação de cada cozinheiro”, diz o site. O Cabe na Mala aproxima viajantes que podem trazer encomendas de outros países e “querem descolar uma grana extra”.

Nele, o viajante cadastra o espaço que está sobrando na mala e os interessados fazem a encomenda e pagam a recompensa. Plataformas como o guiafacil.com e o GetNinjas conectam profissionais de serviços gerais, como pintores e babás, e quem precisa do serviço. É possível até mesmo dividir o ambiente de trabalho, com a onda dos escritórios coletivos.

Também não é necessário comprar um vestido de grife – você pode alugá-lo por um dia por um valor mais acessível; passar as férias em um barco que não é seu e usar o transporte público combinado aos aplicativos de carona e aluguel de carros para tornar os deslocamentos mais eficientes. Assim como é possível alugar sua lavanderia e ganhar um dinheiro extra. Dessa forma, a um toque, é possível encontrar alguém para passear com seu cachorro e um colega para dividir carona. Ações que só são possíveis pela facilidade de acesso aos smartphones e pelo surgimento das formas de pagamento móvel. O diferencial é a experiência proporcionada pela colaboração. A busca não é mais pelo bem, e sim pelo acesso.

 

 

Economia Colaborativa para Ladislau Dowbor

 

É claro que não é exatamente uma novidade emprestar, doar ou vender um bem, especialmente em cidades menores, onde as pessoas conhecem uma às outras. Para o professor da PUC-SP Ladislau Dowbor, o ponto chave que tornou o conceito de economia colaborativa uma megatendência é a conectividade. “Já morei sete anos em aldeias no interior da África, onde a vida comunitária, as trocas e a solidariedade interfamiliar eram perfeitamente naturais. Nós não estamos inventando a solidariedade, mas estamos dando outra base para ela.

A conectividade se torna planetária e muda radicalmente hoje, em uma economia mais ampla, sobretudo nas grandes cidades”, explica. Assim, pessoas que moram e trabalham no mesmo bairro podem, por meio das novas tecnologias, se encontrar e compartilhar o carro. “Eu, por exemplo, que pesquiso sistemas financeiros, posso desenvolver meu estudo em um tipo de crowdfunding coletivo, com gente das universidades da Índia, NY, Paris. 

Cria-se uma comunidade colaborativa que ultrapassa radicalmente o território, de certa maneira desterritorializa a colaboração e a torna temática, em função de interesses comuns”, comenta Dowbor, que deixa toda a sua produção disponível online.

 

 

Economia Colaborativa para Neusa Souza

 

A economia colaborativa é o processo de juntar alguém, dono de um bem (material ou não), e um consumidor, união feita por uma plataforma. O conceito gira em torno de algumas questões: aproveitar mais os bens e serviços e gerar menos impacto ambiental (aliado ao conceito de sustentabilidade) e mais renda. “Percebe-se um volume maior de negócio sistematizado em uma plataforma que faz com que isso seja colocado em prática com certo nível de confiança”, diz Neusa Souza, professora de Economia Criativa da ESPM. Dessa forma, a reputação nas redes torna-se um novo parâmetro: a sua avaliação como cliente será medida pela quantidade de compartilhamentos e comentários.

Algumas pesquisas já tentaram mapear o potencial desta economia e a expectativa é que os ganhos sejam cada vez maiores. Segundo dados da PWC, a projeção de movimentação global da tendência em 2025 é de US$ 335 bilhões. Já um estudo da consultoria Nielsen em 2013 mostrou que 70% das pessoas na América Latina estariam dispostas a participar de serviços de compartilhamento, contra 52% na América do Norte. Alguns exemplos confirmam as previsões: Uber e Airbnb já nascem grandes, com valor de mercado alto. “E vemos grupos de investidores estrangeiros dispostos a alavancar essas ideias. Então, dá para irmos para outros segmentos além do aluguel de carro e casa. A expectativa é de crescimento, e que seja algo que realmente venha para ficar”, diz Souza.

Em uma das obras mais lidas sobre o tema – The Zero Marginal Cost Society – o autor, Jeremy Rifkin, coloca que o capitalismo será ultrapassado pela economia colaborativa. Ele faz algumas previsões: os lucros das empresas irão diminuir consideravelmente, os direitos de propriedade ficarão cada vez mais enfraquecidos e a economia baseada na escassez dará lugar à economia em abundância. De acordo com o autor, caminhamos para uma sociedade pós-consumo, na qual a propriedade das coisas deixará de interessar. “A economia do compartilhamento tenta pegar algo que já existe, sem colocar mais recursos e reaproveitar. É outra forma de capitalismo, de oferecer os serviços mais focados na criatividade, o que muda o consumo”, diz Souza.

E como deve ser a convivência com os modelos tradicionais? Para a professora da ESPM, teremos empresas de grande porte que buscarão operar de forma colaborativa: como rede de hotéis que podem disponibilizar parte dos quartos por um preço menor que uma diária, tendo o cuidado devido para não perder a demanda garantida dos clientes tradicionais. E estamos preparados para nos adaptar a tudo isso? “É um processo de longo prazo. Por enquanto, funciona em um formato de nicho, entre os mais antenados”, diz Souza.

 

 

Economia Colaborativa para Mike Ajnsztajn

 

“A economia colaborativa surge porque a nova geração tem um desapego muito grande a ativos na comparação com as anteriores”, diz o empreendedor serial e investidor-anjo com experiência internacional, Mike Ajnsztajn, fundador da Aceleratech. Esses jovens de 18 a 30 anos não querem ter um carro, buscam menos desperdício, usam mais um mesmo bem e fazem a reciclagem da roupa ao lixo.

De acordo com o empreendedor, no futuro, todos poderão dividir carros, cada um poderá ter sua própria rádio para seus amigos ouvirem, doar bens sem ter problemas, compartilhar a bateria do celular e dividir o acesso a livros. Assim, cada pessoa vai se transformar em um mini negócio, alugando bens que não usa com frequência. “A economia colaborativa torna mais fácil a vida nas metrópoles, e podemos fazer coisas que antes não fazíamos porque tomavam muito tempo. Era complicado encontrar alguém para doar algo, por exemplo, e agora se tornou mais rápido e simples”, observa.

Ajnsztajn considera as transformações verificadas até agora positivas, mas lembra que o ideal na colaboração seria eliminar totalmente os intermediários. “Quando introduzo um terceiro, ela se torna manipulada: alguém está monetizando a colaboração. Isso porque a remuneração entre as duas pessoas conectadas é um prêmio pelo serviço realizado, normalmente pago com prazer. Mas a presença do intermediário distorce isso”, ressalta.

 

 

Economia Colaborativa para Lala Deheinzelin

 

Opinião diferente tem Lala Deheinzelin, especialista internacional em economia criativa, sustentabilidade e futuros e diretora da Enthusiasmo Cultural. “A gente só consegue ligar dois pontos por meio de uma ponte. Precisamos deixar de perceber os intermediários como um mal. É um problema que eles sejam em pequeno número, mas isso é uma tendência no começo, depois o cenário deve se pulverizar”, coloca. Segundo a especialista, a economia compartilhada é muito útil para qualquer empreendimento é fundamental para a gestão pública porque cabe principalmente ao Estado utilizar da melhor maneira seus recursos.

Sobre o futuro, Deheinzelin diz que “a única coisa que dá para saber é que será cada vez mais diverso. Nos meus livros, falo de futuros desejáveis e não chamo mais de mundo, e sim de mundos, porque são muitos”, conta. Para permitir que a economia colaborativa nos ajude nessa transição de modelo econômico, social e político, precisamos diversificar e pensar em outras formas de empreendimentos. “Hoje é completamente limitado. Então, entre uma empresa e uma ONG, deveria haver uma gama enorme de possibilidades de negócios sociais. E entre um coletivo organizado temporariamente e uma empresa, também. Vamos precisar rever normas e procedimentos porque eles estão nos levando para trás. Quem consegue trabalhar com menos burocracia, mais relações de confiança e poucas estruturas hierárquicas avança impressionantemente”, destaca.

 

 

A economia colaborativa 

 

Para o professor, a grande mudança está no compartilhamento de ideias. “Imagine a quantidade de conhecimento parado na cabeça das pessoas, e de repente abre-se espaço para exposição em tempo real, sem a necessidade de escrever um livro, por exemplo”, coloca Dowbor, citando o trabalho do especialista e teórico de Mídias Sociais, Clay Shirky, sobre o capital cognitivo.

Segundo o professor, atualmente as grandes universidades, como MIT, Harvard e algumas chinesas, deixam à disposição toda a sua produção científica online. “Está sendo criado um sistema de colaboração planetário em torno do conhecimento, que tem por base a conectividade, o princípio da solidariedade e a evolução para a economia imaterial”, explica.

Mas por que é tão importante termos acesso universal ao conhecimento? O principal fator de produção é aquele cujo uso não reduz o estoque. “Isso cria um imenso potencial de colaboração pela evolução natural de nossas economias”, diz. Se juntarmos a conectividade e a solidariedade natural, que é subutilizada, e partimos para a evolução da economia como imaterial, eixos básicos de produção são deslocados radicalmente: a competição é substituída pela colaboração e mudam as formas de remuneração. “Existe um prazer em inventar algo junto. Na Europa, os grandes inventores se comunicavam por carta. Temos uma outra cultura econômica. Não é do segredo, do fechamento, da competição ferrenha, mas sim da colaboração”.

O professor lembra ainda que, recentemente, a revista The Economist criticou duramente o sistema de patentes e declarou que ele não renova, mas sim atrasa a produção científica. “Uma ideia é patenteada por uma empresa, que não a desenvolve porque não tem capacidade, mas fica segurando e monetiza fragmentos de autorização. Na realidade, é natural ter uma proteção temporária para compensar o investimento, mas por um período menor. Há propostas de cinco anos, o que já é muito em termos de evolução tecnológica moderna. No caso dos livros e dos artigos, isso é pior ainda. No Brasil, entram em domínio público somente 70 anos depois da morte do autor. As pessoas não se dão conta de a que ponto criamos um oligopólio, beneficiando os intermediários”, salienta Dowbor.

Segundo o professor, hoje vivemos uma guerra porque há uma tentativa de travar o acesso à pesquisa colaborativa. “O essencial é entender a dificuldade de colocar porteiras e pedágios em toda a fluidez do sistema, mas estão tentando. Quem vai levar vantagem nesse processo, é difícil saber. A dinâmica é a seguinte: o direito comercial da propriedade está baseado no século passado, trata de bens físicos e está em atraso”, afirma.

Sobre como será o futuro, o professor diz que não só não é fácil, mas também não é interessante imaginá-lo. “O que importa é entender que um conhecimento que se multiplica enriquece muito mais as pessoas e gera a possibilidade de uma sociedade muito mais igualitária. Precisamos entender os avanços trazidos pelas novas dinâmicas e saber quais são as formas de controle, de organização e de mudança cultural necessárias”, complementa.

 

 

Ameaças

 

O conceito não é unanimidade e tem suas controvérsias. A concorrência desleal com as empresas tradicionais, obrigadas a pagar impostos, deu ao novo modelo caracterizações como a “oficialização do bico”, colocado como uma evolução da precarização do trabalho. Taxistas e indústria hoteleira, atores que tiveram mais prejuízos, são também os que tiveram as críticas mais duras.

O professor da área de gestão de pessoas em organizações da USP, Wilson Amorim, diz que há muita literatura contrária e que não há garantias de que toda essa transformação será positiva para a sociedade. Segundo o professor, as movimentações verificadas até agora fazem parte do capitalismo, porque continuam tendo por objetivo o lucro. “São criados atores com um poder de agendamento enorme: esses intermediários controlam os algoritmos e têm poder para excluir os participantes. Se formos analisar, estamos com menos alternativas, e não mais”, pondera o professor.

Outro ponto importante sobre os serviços ofertados é a regulamentação, visto que eles não seguem normas de segurança, leis de defesa do consumidor e direitos trabalhistas. “Por exemplo, quanto pagar por algo que deu errado? Se eu alugar a garagem da minha casa e ela não estiver livre quando quem alugou chega, o que acontece? Por enquanto, as empresas, de maneira geral, têm arcado com os custos, mas, até mesmo pelo aumento de escala, isso tem que ser regulado”, pontua Souza, da ESPM.
Apesar das controvérsias, as ações se multiplicam, especialmente na maior cidade do país. O portal brasileiro Cidade Colaborativa fez um mapeamento inédito, que identificou e reuniu cerca de 100 projetos no Guia São Paulo Cidade Colaborativa, que pode ser baixado gratuitamente pelo link http://www.cidadecolaborativa.org/download/

 

Contribuição: Aloogie